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Sem provas, Bolsonaro associa Lula a narcotráfico em entrevista a TV italiana e parte para o “vale tudo” repetindo estratégia de 2018 5k3i3r
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acusou seu principal adversário na campanha eleitoral à Presidência, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, de ter relações com narcotraficantes, segundo a tradução de entrevista concedida neste domingo (31) ao jornalista Michele Cagiano, da emissora italiana SkyTV24.
De acordo com os áudios da entrevista obtidos pela reportagem, o presidente brasileiro disse que Lula “deixou uma marca muito forte na corrupção do Brasil”, quase levou a Petrobras à falência e, nos anos 1990, começou “um grande esquema junto com o narcotráfico para chegar ao poder”.
“Um milagre salvou o Brasil com a queda de Dilma Rousseff e com a minha ascensão em 2018”, disse Bolsonaro, que também acusou o PT de ligações com “grupos terroristas do mundo todo”.
A entrevista foi gravada às 7h30 da manhã deste domingo, último dia da reunião de cúpula do G20, onde os líderes das maiores economias do mundo se comprometeram a conter emissões de gás carbônico e distribuir vacinas contra o coronavírus.
Segundo Bolsonaro, Lula o acusa de genocídio “porque é um oportunista”. Ele afirmou que o ex-presidente estaria entre várias “autoridades de esquerda no Brasil e na Espanha” que teriam recebido recursos oriundos do narcotráfico da Venezuela.
“Esse é o último retrato do Lula. No mais, ele foi condenado em três instâncias no Brasil e, por um casuísmo, o processo foi anulado no Supremo Tribunal Federal”, disse Bolsonaro.
Com os direitos políticos reabilitados desde março, o ex-presidente Lula obteve neste ano ao menos 12 vitórias judiciais na série de processos e investigações a que respondia desde que se tornou alvo da Operação Lava Jato, há quase seis anos.
Em junho, o plenário do Supremo ratificou julgamento da Segunda Turma da corte que declarou a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro na condução do processo do tríplex de Guarujá (SP), que levou o ex-presidente à prisão por 580 dias.
Questionado sobre a I da Covid, que o aponta como um dos principais responsáveis pelo agravamento da pandemia no Brasil e sugere que ele seja responsabilizado e investigado por nove crimes, Bolsonaro disse que a comissão foi formada por partidos de esquerda em oposição ao seu governo.
Ele também disse que os sete senadores que comandaram os trabalhos da I desde seu início “nada fizeram durante a pandemia, deixaram tudo acontecer”.
“O meu governo deu todos os meios para que governadores e prefeitos pudessem fazer o combate à pandemia, seguindo determinação do Supremo Tribunal Federal”, disse o presidente, acrescentando que gastou US$ 100 bilhões para garantir “dinheiro, meios, medicamentos e profissionais” para o enfrentamento da crise sanitária.
Bolsonaro costuma dizer que foi impedido de agir contra a Covid-19 em razão de uma decisão de abril de 2020 do Supremo, que atestou que estados e municípios têm autonomia para determinar o isolamento social em meio à pandemia. A decisão, porém, não impede o governo de agir contra a Covid, apenas estabelece a competência concorrente de estados, municípios e União para atuar contra a pandemia, sem excluir nenhuma esfera istrativa dessa responsabilidade, esclareceu o tribunal na época.
Na entrevista à TV italiana, Bolsonaro também afirmou que sempre foi a favor da vacina e que nunca deixou de destinar recursos à compra do imunizante, completando que é a favor da autonomia dos médicos para receitar remédios sem comprovação científica.
“No tocante a vacina, foi um sucesso o Brasil. E também eu, particularmente, adotei a linha de que deveria mandar a autonomia para o médico. O médico tinha que ter o direito, caso assim entendesse, de tratar o paciente, em comum acordo, com o remédio que achasse melhor para aquele momento, mesmo sabendo que não havia comprovação científica para o mesmo”, disse o presidente.
Desde o início da disseminação da Covid-19 pelo mundo, no começo de 2020, Bolsonaro sempre falou e agiu em confronto com as medidas de proteção, inclusive em relação às vacinas. O presidente atuou contra a compra da Coronavac, levantou dúvidas sobre a segurança do imunizante da Pfizer e declarou que ele próprio não se vacinaria.
Sua gestão também se omitiu em relação a diversos emails com propostas da farmacêutica multinacional de venda de vacinas para o governo brasileiro.
A partir de março de 2021, diante do agravamento da pandemia e do sucesso da vacinação no país, Bolsonaro tentou reconstruir a narrativa sobre o tema, buscando se descolar do rótulo de negacionista para melhorar sua imagem.
Mas ele próprio continua dizendo que não se vacinou -o que causou constrangimentos em sua viagem a Nova York para a Assembleia Geral da ONU, em setembro, quando não podia entrar em restaurantes e outros recintos fechados- e dando declarações que abalam a confiança da população no imunizante.
O presidente também minimizou a pandemia diversas vezes, chamando de histeria, fantasia e “mimimi” a reação da população e da imprensa à crise sanitária, que já deixou mais de 600 mil mortos no Brasil.
Em outro ponto em que é criticado pela comunidade internacional, o da proteção ao meio ambiente, Bolsonaro afirmou que “Amazônia não pega fogo porque é uma floresta úmida”.
Apesar de úmida, a Amazônia registra incêndios, que têm ocorrido em número recorde durante o governo Bolsonaro. Em agosto de 2021, foram mais de 28 mil focos de queimadas na floresta -o terceiro pior resultado para o período nos últimos 11 anos, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O número só fica atrás dos registrados em 2019 e 2020.
Os incêndios geralmente estão associados ao desmatamento -o fogo é usado para queimar a vegetação derrubada e para limpar pastos.
Na entrevista à TV italiana, embora tenha itido que há “algum desmatamento ilegal” no país -minimizando os índices que apontam pioras nesse sentido-, Bolsonaro disse que o Brasil é “um exemplo para o mundo”.
“Tanto é que esse ano estamos indo tão bem que a imprensa não tem falado nada”, disse o presidente, em desconexão com a realidade da cobertura jornalística dos principais meios de comunicação do país.
Segundo Bolsonaro, a repercussão negativa que chega ao conhecimento da comunidade internacional ocorre “porque há uma briga de poder no Brasil”. Na visão do presidente, aqueles que o criticam por suas políticas ambientais o fazem em exagero e poupam seus antecessores.
Edição: Aurélio Fidêncio
Matéria: Ana Estela de Sousa Pinto
Fonte: Folhapress